Diz Proust – porque há uma certa atemporalidade naquilo que alguns (grandes) escritores dizem, mesmo quando, há muito, já não podem ouvir possíveis contestações – que “todo leitor, quando lê, é leitor de si mesmo”: e eu sei disso porque “o” li – ou será que li a mim?
E é assim não, certamente, pela identificação consciente entre o leitor, em sua clássica atitude de passividade, continente por natureza, e aquilo que diz o autor, havendo mesmo autores sob encomenda que dizem justamente – e nada mais do que isso, como uma roupa costurada sobre o próprio corpo (do leitor) – o que se espera dele ouvir, lendo-o, numa arte de resultados: e mesmo quando, isso é possível, o que escrito vai, num choque evidente, de encontro com o que tanto se gostaria de ouvir, aparentemente contrariando o leitor, espécie, pelas leis do mercado, de dono da bola, com o poder de decidir se haverá ou não o jogo, pode muito bem estar fazendo isso para atender à vontade de uma parcela significativa de quem lê (significativa o suficiente para se justificar tal investimento, com seus riscos calculados) e que gosta de ser contrariado, simplesmente por esse gosto, e que não cabe se discutir aqui, ou porque assim se sente(m) mais estimulado(s), buscando, ele próprio, leitor da bola, dono do que lê, contestar o autor, num jogo que tem, sim, lá sua razão de ser.
Grandes obras saem sempre de grandes autores: alguns, inclusive, ainda “menores”, são alçados, em grandeza, por causa de uma obra que se revela grande, mesmo que, não sendo um artista uma linha de produção projetada para gerar grandes obras em série, não repita costumeiramente essa mesma grandeza em seus trabalhos posteriores, já que grandeza assim não depende exclusivamente daquele que a produz – de como ele joga a bola -, havendo a necessidade de que alguém receba esse passe (às vezes, esse momento parece mágico), trabalho este, ainda que envolto na aura de prazer pessoal, do leitor: uma grande obra não só empresta (sua) grandeza a quem a escreveu, mas, simultaneamente à leitura, a quem lê: pela obra em si, que ele sabe que lê, e, mesmo sem o saber, por então ler a si mesmo.
Àqueles que, sabe-se lá a que leituras já se entregaram, garantem, não raro com uma visão de mercado (que pode se mostrar equivocada), que sua vida daria um (bom, claro) livro: se realmente for um bom autor, porque essa possibilidade até tem de ser considerada, escrevendo (sobre) sua própria vida, desde que venha a dessa (sua) obra ser também seu leitor, poderá ler, de si, o que jamais pensou, sobre o quê não há uma só linha escrita para provar, mas se, lendo-o, lendo-se a si, sem disso saber, tiver a impressão de que lê apenas o que escrito está, escreveu, tão-só, para satisfazer o mercado, um que gosta de da vida alheia saber.
E não te preocupes, eventual leitor (disto aqui), se não tiveres a sensação de teres lido a ti: esta minha “bola” é quadrada mesmo.
CHICO VIVAS
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