Eis uma dessas contradições que a arte fomenta, mesmo sem querer – embora alguns “queiram” que a verdadeira arte não quer só o que diz (o que diz querer com aquilo que mostra), querendo também através daquilo que permanece escondido, visível, às vezes, num relance, pela intervenção do observador, que nem se dá conta daquilo que então vê, mas se deixa capturar por alguma instância de sua (in)(sub)consciência –, criando um choque que se sente, ainda que não se acuse nenhum golpe correspondente: quão diferente “é” a Tereza de Ávila humana, mesmo quando já ostenta, com supostamente perdida humanidade, um “santa” à frente do seu nome primeiro, seguido de um toponímico que nem sempre revela sua Espanha natal, daquela outra, trocada a carne morna, à temperatura dos homens (sem que se lhe queira, assim, emprestar os graus elevados da paixão do corpo) pela pedra fria que a arte de Bernini “esquenta”, com todo seu panejamento de dobras vivas e sua profusão de detalhes tipicamente barrocos, numa provocação aos nossos sentidos, provocando um êxtase do qual não sei dizer se aquém do místico experimentado pela própria Tereza ou se além, assim porque um êxtase que, percebido no corpo, eleva(-nos) para algo que, na falta de outra palavra, chamamos de...alma.
E aquela santa, espírito inteiramente, cutuca-nos ao ser “fotografada” assim, no exato instante em que, por obra e graça de um Espírito que conhece muito bem o ponto fraco da carne (se não for toda ela assim), tem seu peito, coração já na boca, trespassado por uma flecha de ouro, incandescente metal, fazendo nascer nela uma sensação (de prazer) jamais vivida, virgem diplomada, doutora por uma causa.
Como há muito louco (já não tão “varridos”, por causa de uma política que não os quer mais segregados em manicômios, segregando-os, de qualquer modo, do lado de fora) que justifica (e se é capaz de se justificar, “normalmente” apto para avaliar a necessidade de uma justificativa, nem deve ser tão louco assim) seus atos chamando em seu socorro (minha Nossa Senhora!) um misticismo que não requer provas testemunhais, os místicos “de verdade” (sem apresentarem testemunhas), muitas vezes, são tratados como loucos quaisquer.
Tereza tinha visões que outros olhos não viam – talvez porque visse com outros olhos que os outros não tinham – e dialogava com o céu, encontrando nele um interlocutor paciente, a ponto de lhe permitir anotar essas conversas.
Louca, Tereza?
Louco “é” Bernini, pois, se não era (um) místico, só loucura justifica tanta arte. Loucos somos nós quando, diante da pedra esculpida, não nos permitimos, por razões laicas, experimentar o êxtase de tantas curvas numa só mulher. E loucos seremos ainda mais quando, vendo Tereza assim, conseguirmos enxergar o que ora parece tão escondido, embora nunca tenha saído do seu lugar, e ora tão à mostra que queremos nos esconder por não termos visto aquilo antes, à cara como nos surge. Louco, enfim, sou eu que escrevo como um barroco, causando tonturas, mas êxtase que é bom...
CHICO VIVAS
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