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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

DIA DO MÉDICO



Há os (que são) “de alma”: e o mais conhecido deles é (o também evangelista) Lucas. Mas, para quem sofre na pele (mesmo que não seja uma doença dermatológica) as dores da carne, muitas destas com origem presumida justamente na alma, embora haja os que considerem tal diagnóstico mais poesia do que propriamente medicina, médicos devem se ater, concentrando toda sua atenção científica, em nos curar; em, ao menos, fazer cessar os sintomas mais dolorosos, por mais que saibamos que sob o efeito analgésico de alívio imediato jazem, vivos, tantos males: e, nesse caso, sequer nos importamos que o médico seja “encantador” ou não, desde que, como que por encanto, espécie então de herói mítico que vem em nosso socorro, salve-nos. E daí que eles não nos possam salvar para sempre, ad nauseum?

Pensa-se comumente que o “encanto” da medicina (sem se perceber, está-se reaproximando uma ciência de hoje, embora já o seja há muito, de uma magia de outrora) esteja em salvar vidas, quando, por menos poético que isso pareça, ela tão-só a conserva, até certo limite, por mais duro que seja admitir isso, inclusive porque ao se ultrapassar limites estabelecidos por uma série histórica da qual se obteve uma média, tangencia-se o milagre: este bem mais ao gosto dos médicos de alma.

Não sei se com dores incuráveis (todas, no fundo, mesmo que tenhamos a impressão de que sofremos à flor da pele, o são), com olhos já voltados para a “possibilidade” de um milagre, alguns se perguntam – às vezes, perguntando-se alto o suficiente para que isso surja como um questionamento geral – de que valem as curas ou os alívios para o corpo, se na alma se cultiva uma chaga que não se fecha, que, se se fecha, não cicatriza, sendo isso uma porta aberta para nunca se fechar de verdade, sendo, portanto, se não de maior importância, igualmente relevante que se trate dela, dessa alma, ao mesmo tempo em que nos voltamos para o corpo, nós que tanto gostamos de, fixamente, olhar para o próprio umbigo: e este não passa de uma “cicatriz” (provavelmente, a primeira de todas as que virão), apesar de tecnicamente fechada a “ferida”, eternamente escancarada porta de entrada para as nossas humanas vaidades.

Das muitas especulações que o tema pode nos sugerir, uma, talvez óbvia até, mas nem por isso menos curiosa, é a de que os próprios médicos, detentores, na nossa louca esperança de cura, do mistério do nosso bem-estar prolongado, eles mesmos sofram – na pele, na carne, na alma. Na (nossa) fantasia mais corriqueira, quem sabe como fazer (o) bem a outro sabe também dirigi-lo, esse mesmo bem, para si, ou se não o pode, como então confiar em que o que fazem a outro(s) é bom, é bem-feito?

Tudo fantasia! Necessidade humana de acreditarmos num salvamento, venha este de Deus – Médico dos médicos – ou venha de uma língua latina, um Deus ex-machina, figura teatral nascida de mesma língua de Hipócrates (e que para mim continua sendo grego).

Ars longa vita brevis! Sinal dos tempos: a vida breve, hoje, “vive” mais que a mais longa das artes – “plásticas”. Eis aí, para muitos, o nome da milagrosa cura para o maior mal que parece lhes afligir: o passar do tempo.


CHICO VIVAS

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