Passar a vida atrás de um balcão já foi uma espécie de anátema paterno: pais, em geral, são mais dados ao pragmatismo, ainda que lhes falte pragmatismo suficiente para que percebam quão eficaz, aparentemente nada pragmáticas, é o apelo emocional das mães, sabendo-se mesmo o quanto as pragas delas são mais poderosas do que, ainda que com toda sua ênfase viril, as lançadas, sem meias-palavras, pelo pai.
E tudo isso para incentivar os filhos a persistirem nos estudos, quando estes eram vistos (ainda são, apesar de já não haver tantas provas em favor desse ponto de vista) como a possibilidade real de se ter em mãos uma chave-mestra, uma que abriria todas as portas, ainda quando eles próprios, pais e mães, mesmo tendo ouvido pragas dos seus próprios (pais), não persistiram, a ponto de usarem justamente esse fato para mostrarem aos filhos as consequências de tanta teimosia: as mães fazem isso algo chorosas, exibindo seu “sentimental pragmatismo”; os pais, com gestos mais contidos, embora igualmente eloquentes, fazem-no com uma espécie de contabilidade à mão de tudo o que, em tese, deixaram de ganhar, não havendo também garantias de que esse jogo contábil fosse mesmo outro, se tivessem estudado, convenientemente, atendendo aos apelos dos seus (próprios) pais.
Assim é que então agia o fantasma do balcão, ao mesmo tempo, uma ameaça, caso se se rebelasse, e um estigma, uma marca indelével para o resto da vida, uma vidinha, já se adivinha, sem importância, tendo-se de passar os dias a “bater ponto” (por si, um ato vergonhoso de submissão à autoridade burocrática de um relógio sem flexibilidade para compreender as necessidades do momento) e atender os outros, com prestimosidade compulsória, como se a aspiração maior de qualquer vida fosse, ao contrário, mudando-se de posição, ser atendido, não se dando conta, ou fingindo isso para não destruir a validade da argumentação, que para que tal coisa aconteça, que se seja atendido com sorrisos, mesmo que protocolares, no rosto, torna-se necessário se dispor de uma legião de “atendentes”, todos atrás do balcão – ainda que virtualmente, num espaço sem divisões materiais, havendo, no entanto, nítida separação de status: o cliente experimentando, o que pode não acontecer quando se depara com um (seu) superior, ter sempre razão, e o balconista, além de aturar o (eventual) mau humor do freguês, até assim para se deliciar, sadicamente, com as agruras do outro, engolindo, esse balconista, em seco sua vontade de dar um soco nesse cliente, fingindo, porém, que, em dada questão, por mais certo que saiba estar, a razão está mesmo com o outro.
Há aqueles que, mesmo sem (os) estudos, tendo ido para trás de um balcão (que praga, hem?!), ascenderam, não precisando mais disso, já sendo, em outros estabelecimentos, recebido com sorrisos (que ele conhece muito bem), resolvem, de quando em vez, voltar a ser “balconistas”, mas, nesse caso, o freguês não se engana, percebendo facilmente a troca, sentindo-se, ele próprio, cliente então, na obrigação de “atender o atendente”.
CHICO VIVAS