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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

DIA DO CONTADOR


Com cálculo, mas nada tão frio quanto um presumível clichê, refiz as contas, contando com a possibilidade de, num ajuste de contas comigo mesmo, sem outro adversário, cortar alguns custos, sem perceber, nessa operação de guerra, o custo suplementar que isso implicaria em meu já apertado orçamento, um saco, um dia, tido por mim como sem fundo, dada a facilidade com que, com a ilusão do crédito que bate à porta se oferecendo todo, mas não costuma bater à mesma porta para cobrar (mesmo quando as contas, essas “faturas expostas na privacidade”, se acumulam por debaixo da porta), ia ali metendo, sem pudor aparente, minhas mãos, saindo disso tudo, como se escapando de um aperto circunstancial, com renovado prazer, até que, esgotado, tal qual um saco já sem saco para meus arroubos consumistas, para minha rapacidade financeira, para minha luxúria por bens sequer de comprovado luxo (porque me deixo seduzir por uma boa aparência), dali, por mais que eu clamasse a um salvador, providencial redentor, um cristo de braços abertos para acobertar minhas irracionalidades compulsivas, não mais me escapava um níquel, nem uma moedinha sem valor de face considerável, apenas um engodo para, atirando-a na fonte, já saturada de desejos desvalorizados pela inflação das necessidades que se atropelam umas às outras, alimentar minhas esperança de fazer as pazes com os credores.


Tenha ou não calculado mal, passando um pente fino, cortei, a custo, o que me pareciam fios de pouco calibre, desnecessidades com aquele ar de “não me corte” de cortar o coração, com o peito se acelerando, ávido eu por, chegando ao fim, descobrir, afinal, que logrei êxito, que, apertando aqui, e mais ainda acolá, eis que surge, refulgente, sol cheio de promessas, uma folga, abertura a calhar para meter a mão no bolso e, saco que é, sem remexer muito nessa área tão delicada (em que nem mesmo pentes finos entram – quando era moda, hoje atitude saborosamente cafona, o pente (fino) se acomodava no bolso de trás), sair disso com alguns trocados.


Surpresa, para mim, não foi um sucesso que já não esperava; nem mesmo que os trocados que emergiram dessa operação de escavação profunda fossem mais do que simples troco que se despreza sem dó, até se sentindo aliviado por deixar de lado tão incômodos miúdos: surpresa foi descobrir que mais prazer do que nessa pescaria, como se fizesse um resgate no fundo de uma fonte cheia de desejos traduzidos, em diversas língua, em moedas aos montes, tive em todo esse cálculo, em me ajustar a um saco já de boca fechada para mim; em, tesoura na mão, cortar custos, em passar um pente fino.


Não digo que nunca mais comprarei: há água que ainda quero beber, há prato que ainda quero comer – e tudo isso, meus caros, custa. Não digo que jamais, outra vez, passarei da metade do saco, ficando mais próximo de sua boca, saída de emergência, do que do seu fundo, ponto do qual, se não se sai logo dali, não se sai nunca mais. Não digo que, a partir de agora, faço-me contador ou, pior(!) ainda, um sovina convicto, um avarento para o qual a fonte dos desejos, com moedas ali sendo jogadas, é um pesadelo inimaginável.


O que tinha a dizer, sem mais cortes, dito está.


CHICO VIVAS

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