Desencane! Inclusive do temor, algo justificado, nesses dias em que o tempo (já passado para nós) se tornou um estigma, espécie de tiara de ferro em brasa que, cingindo nossa fronte, denuncia-nos, de cara, alardeando o quanto de tempo já nos é passado, de – que temor! – usar palavra assim, com todo jeito de gíria datada, por mais “bacana” que isso, “bicho”, pareça a alguns, isso de usar gírias, quaisquer que sejam, como se seu uso, por si, nos elevasse, de imediato, à “crista da onda”, fazendo-nos, eventualmente feios, de uma hora para outra, cheios de charme, surgirmos como um verdadeiro “pão”.
Se há os encanados – seja pelo medo reiterado de alguns de se meter em aventuras sedutoras, sustentando assim o eterno receio de se entrar pelo cano, seja, pelo contrário, por se viver se aventurando, já quase com morada fixa em canos diversos -, há, tendo em vista mercado tão promissor, os encanadores que, curiosamente, contrariando certa impressão primeira, não são profissionais – por escolha própria ou por falta de outras opções – que têm por função nos encanar, mas, justamente, tirar-nos de uma fria, quando a água aquecida, mesmo que em dias de inso(l)fismável calor – ah! desencane quanto a esses meus joguinhos infantis de palavras -, insiste em não dar o ar (e o vapor: que barato!) de sua graça, sabendo-se que isso não nos sairá assim, de graça, tendo-se de pagar pela água, quente ou não, pela energia que lhe empresta calor, além de se ter de pagar o próprio encanador em pessoa.
Mas, há frias maiores do que a impossibilidade circunstancial de um banho aquecido indispensável, nem que assim somente pelo hábito ou por não se querer se aventurar entrar numa (ducha) fria: ficar sem água, por defeito do encanamento, em qualquer temperatura, ou então ter água, fria em geral, por todos os lados, inundando nossa paciência, essa presa fácil de todos os naufrágios.
Chamem o encanador, ó, encanados! E ele virá, com ar blasé, entre o salvador-sem-o-saber (que é) e o redentor que, sabendo (o) que é, aproveita para, com olhar panorâmico e condescendente, diante da expectativa de um pecador prestes a ouvir, veredicto já adivinhado, sua sentença eterna, prolongar seu exame, coçar o queixo, rir de lado, observar tudo, enquanto decide se a danação desse “encanado”, pensa o encanador, deve ser leve, quase um paraíso (não é nada sério: uns ajustes aqui, outros acolá, e logo tudo resolvido estará), ou se um purgatório surgindo (olha, não vou te enganar, mas isso vai durar uns dias para consertar), ou, como um banho de água fria nas nossas teimosas esperanças, um previsível inferno (vamos ter de trocar todo o encanamento) – e isso, sabe Deus quanto vai durar, quanto vai (nos) custar!
Talvez como vingança – com sentimentos assim, como não saber, de antemão, o veredicto do Sumo-Juiz? -, esse danado do encanador, se resolve, de graça, seus próprios problemas, sem entrar pelo cano, sem ficar encanado, se seu problema, no entanto, é um joguinho (infantil que seja) de palavras, mesmo tão experiente, gato (e isso não é gíria) escaldado, chamando-me, desesperado já, em seu socorro, como se eu fosse um (des)“encanador” de palavras, gaiato como sou, acabará entrando, sim, numa tremenda fria.
CHICO VIVAS
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