Como já sou quase de outro tempo, parte da minha memória ficou por lá, embora tenha, por muito tempo, me acompanhado, mas, como que cansada, talvez chegando à conclusão de que eu não (lhe) era boa companhia, ou se decepcionando com minha vidinha pacata, quando esperava embates gloriosos, foi, com lentidão delicada – o que, a meu ver, otimista sem conserto, significa que ainda tinha certo apreço por mim –, me deixando para trás. Como de toda lembrança fugidia, restam-me fragmentos: alguns, verdadeiramente, amorosos.
Lembro-me, em léxico de outra geração, ouvir a palavra “capadócio” atirada, nem sempre na cara, mirando alguém por trás, com intuito ofensivo, sem saber, geograficamente limitado, quase que restrito às minhas fronteiras escassas, só não ínfimas por causa do meu “mundinho” de imaginação, que algum lugar, perdido na História, se chamava Capadócia, podendo ser, portanto, aquele anatematizado capadócio um mero natural do lugar.
E São Jorge, hem: talvez o maior de todos os capadócios! Padroeiro sem rival dos que vivem no mundo da lua, embora para muitos, especialmente para os que o têm como padroeiro, confiantes em suas graças, dizer isso seja uma loucura, não sendo Jorge louco de se haver com alienados, havendo um exército de devotos com a cabeça no lugar, ainda que com outras parte fora do contexto, motivo também pelo qual recorrem a ele, repetindo, como um mantra chamado de oração, que se vestirão sempre com as armas de Jorge, pensando, provavelmente, em se manterem, como um Aquiles (outro grande guerreiro) banhado inteiramente no Estige, sequer ficando de fora o citado calcanhar, invulneráveis às dores do mundo, quando, acredito eu, vestir as armas do santo, tal qual como as armas de Aquiles que só serviam quando usadas por ele, e não por qualquer outro guerreiro, é também fazer moda própria de sua coragem desafiadora.
Vestir-se de Jorge é mais que entrar numa fresca camiseta com estampa em que se sobressai o dragão (quem sabe se por suas cusparadas de fogo): é ter a coragem de defender seus princípios, mesmo quando, em volta, ninguém acredita. É mesmo, sem ser um teimoso irrecuperável, permanecer fiel a seus ideais, ainda quando os donos do mundo tentam (nos) convencer do contrário, até apenas como diversão, para testar até onde vai nossa resistência.
Armas que fazem com que o inimigo, tendo mãos, não as possa usar, tendo pés, não possam chegar lá, é a aceitação tácita de se autodiminuir, não se permitindo se elevar sobre o adversário, preferindo que este diminua, que fique sem mãos que agarrem, sem pés que corram, desde que os nossos – mãos e pés – sejam preservados, ainda que para nosso inimigo nós é que o sejamos (para ele): e se se tratar de mais um entre os inúmeros devotos de Jorge, a quem ele atenderá?
E olha que, padroeiro da Inglaterra, Portugal, Geórgia, Catalunha, Lituânia, Moscou (e Rio de Janeiro, oficiosamente), São Jorge tem muita gente na fila.
CHICO VIVAS
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