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quarta-feira, 28 de abril de 2010

DIA DO CARTÃO POSTAL



O tempo se foi!...

Mas, até aí, morreu o Neves – seja lá quem tenha sido – ou a Inês é morta – um pouco mais, esta, conhecida por sua história tão rocambolesca, tão romanesca, tão inverossímil –, já que não é novidade para ninguém, nem mesmo para aqueles que vivem demasiadamente recolhidos, como se distantes do resto do mundo (embora tão intimamente perto do seu próprio mundinho, curiosamente, aqueles que parecem se dar ao luxuoso prazer, em sua humildade de retirado, de ver o tempo passar), que o tempo, esse mesmo que se disse aqui que se foi, sempre vai, sem adeuses úmidos, sem promessas de retorno – no que, aliás, é honesto, ainda que alguns preguem e outros esperem, como a um messias, pela volta do tempo, ora com a expectativa de uma nova chance, ora com uma esperança vingativa.

Houve um tempo em que nada parecia ir, ou o que ia era sempre o distante, verdadeira(!) fantasia de um lugar de correria(s) em que não se tinha tempo para (mais) nada, a não ser correr, já não se sabendo ao certo por que se corria tanto, podendo ser que, a certa altura, só se o fizesse pelo hábito, só se corresse pelo costume, porque todos corriam e, afinal, ninguém quer ficar para trás e chegar em último lugar. Nesse tempo, o mundo era visto a distância, em cartões-postais que traziam na frente paisagens sempre de sonhos, inacreditavelmente belas, alimentando assim o sonho de, um dia, se conhecer aquele lugar, enquanto que no verso, uma prosa rápida, notícias frescas (então não se tinha tanta pressa em substituir uma notícia por outra, sendo maior sua “expectativa de vida” do que hoje, notícias que hoje já nascem dando seu último suspiro, sem que isso se torne notícia, pois não há tempo, soterrada essa natimorta notícia por outra, às vezes, com mortos e feridos).

E havia aquela ponta de inveja: afinal, ninguém mandava um postal se estava ali ao lado. E essa inveja podia ser maior se quem enviava o cartão, como se dizendo “estive (ou estou) aqui”, dito isso no verso, fazendo com que o destinatário voltasse seus olhos para a frente já vista, só para ter certeza de onde aquele remetente então estava, fosse um vizinho, autor dessa gentileza postal, que se deu a esse luxo de viajar.

Ainda há quem colecione cartões-postais: e quanto a isso não há o que estranhar, pois se coleciona de tudo, não muito diferente do que as paisagens digitalizadas que se acumulam numa memória aparentemente mais confiável, embora, como a nossa, suscetível de “corrupção” (de dados). Nesse caso, porém, mesmo que a cada bela imagem de lugar visitado (alguns, tão-só, virtualmente: mas isso já não faz rigorosamente qualquer diferença) se anexe uma “tag” para facilitar as buscas, espécie de procura de uma agulha específica em meio a um agulheiro (só para dar uma folga ao palheiro), carecem essas paisagens justamente de verso: palavras apressadas – ainda que o capricho da caligrafia, se não revelava um tempo em que se cultivavam esses floreios, porque se tinha tempo para isso, levanta a suspeita de que são palavras muito bem pensadas – a contar as últimas, notícias de um tempo em que era possível, na volta da viagem, encontrar seus respectivos fatos ainda quentes, ou, ao menos, mornos o suficiente para se retomar o fio da meada.

“Que pena que você não está aqui: este lugar é lindo. Até a volta. Saudades!”


CHICO VIVAS

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