Eu não estou ficando louco, mas se há alguém que tem garantia de não endoidecer, são os clientes, porque sempre tem razão, mesmo aquele que não é tão freguês assim da lógica, chegando mesmo, alguns, a desenvolver compulsão pelo consumo, não conseguindo o mínimo de autocontrole que lhes permita, diante de uma compra iminente e irrefreável, sabendo de sua desnecessidade, flagrando-se nessa compulsão no ato, refrear seus impulsos consumistas, evitando uma compra sem precisão: e são estes, curiosamente, até porque são “mais fregueses”, cliente com maior regularidade, os que, pasmem!, têm mais razão.
Fico imaginando – a imaginação, levada a certos níveis, variando estes de pessoa para pessoa, aproxima-se da loucura – um cliente potencial para um item aparentemente de sobra no mercado, com, ainda segundo as aparências, mais oferta que demanda (assumida), o que, por si, já faz desse produto um “barato” (a depender do barato, ativa-se ainda mais a imaginação, vendo até mesmo baratas onde só existem velhos fusquinhas): a loucura à venda.
Talvez se pense que só mesmo um louco, ou alguém com imaginação levada aos seus próprios limites, se aventuraria em mercadoria assim, restando ainda a dúvida acerca do que faz um freguês querer consumir uma loucura, e se, consumindo-a, torna-se, necessariamente, louco ou, como um produto descartável – mais um entre toda essa loucura de lixo que se acumula no mundo -, recupera-se a antiga sanidade, voltando às suas velhas compulsões, inclusive por consumir.
Admitindo-se, no entanto, louco ou não, um consumidor assim – provavelmente, não é um compulsivo de verdade, já que este, em lugar de reclamar de um defeito no produto comprado, aproveita a oportunidade, num autoengano, para comprar ainda mais, como se essa fosse uma atitude razoável -, caso venha a reclamar de uma loucura adquirida, ao perceber nela algum defeito de fabricação, não um “parafuso solto”, pois isso só ratificaria a qualidade dessa loucura, mas partes completamente lógicas, inteiramente sensatas, como deverá agir o vendedor nessa situação: dirá que o cliente tem razão, que a loucura vendida é algo sensata, ou contestará a versão do freguês, a ponto de, numa exasperante impaciência, quem sabe se de tanto ouvir reclamações em lote sobre uma loucura top de vendas, quase uma loucura de consumo, dizer que ele sim, cliente reclamão, reclamando assim, vendo razão onde só há loucura passada por rígido controle de qualidade, é que está ficando louco.
E o cliente, acostumado a sempre ter razão, sentir-se-á ofendido ao ser tratado como louco ou, tendo comprado e consumido aquela loucura (toda), sentir-se-á aliviado com a sentença do vendedor, já que, se está realmente(!) louco, é louco de estar reclamando de uma loucura perfeita, acreditando-a uma perigosa fonte de sensatez?
Antes que minha própria imaginação – mantida sob rígido controle até aqui, como se vê – vá além, sigo para as compras. Na verdade, não preciso de nada. E se mesmo assim vou a elas é só para ouvir de alguém que (sempre) tenho razão.
CHICO VIVAS
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