Isso é coisa do passado, logo dirão, até envolvendo essa lembrança num papel de preconceito injustificável – coisa, aliás, repetindo-se, do passado, como, se não disserem, hão de pensar.
A solteirona – e, aqui, não é significativo, em nome de uma igualdade de papéis, se falar em outro gênero -, agora, até já nutre certo orgulho de ser assim, com um rol de justificativas para esse seu estado, sublinhando, com pudor calculado, que sua solteirice longeva não se concerta, como em outros tempos, com uma castidade duradoura, chegando mesmo, já abandonando o cálculo, sem de todo esquecer o pudor (por puro cálculo), a deixar passar nas entrelinhas que prefere assim, afastados os compromissos, próxima, cada vez mais, do prazer.
E fala-se na carreira, nessa correria para se ganhar postos, elevando-se, tendo, às vezes, que “ficar no salto”, mostrando a que veio, ainda que use, na sequência, de toda sua atávica delicadeza, tirando proveito desse contraste, quando não para gerar algum mistério, não se revelando por inteiro, como um bom jogador que sabe blefar, seja para dar a impressão de que tem cartas na manga, quando está à beira de perder esse jogo, seja, fazendo cara de perdedor, a um passo da decisão, prestes a baixar as cartas, ganhar a partida.
Fala-se ainda nas restrições do “mercado”, já não se fazendo referência a postos de trabalho, mas ao dos pares, mesmo que não demonstre mais qualquer crença em platônicas junções, ideais encontros, felicidades lançadas para um sempre fantástico, não se podendo descartar a possibilidade de que, então, esteja-se em meio a uma grande jogada, no íntimo, acreditando que, depois de tanta espera, de tantas concessões, de tanto tempo arriscado, o que é seu, e só seu, está devidamente guardado, às vezes se desesperando por esse encontro não se dá de uma vez, até partindo, voluntariamente, voluntariosamente, ao seu encontro, embora preferisse que tudo se desse como em sua fantasia ao acaso.
Se tia por real parentesco, pouco importa. Tornam-se assim, ou se tornavam, quando isso tinha alguma importância, pela contagem do tempo, por uma solidão que não se mede pelas companhias, mesmo que agradáveis, mesmo que deem muito “prazer”, mas pela ausência de só uma, ainda que, com o tempo, deixe esta r prazer, tornando-se mesmo, em alguns casos, desagradáveis.
Isso é mesmo coisa de outros dias. E talvez, relativizando-se o gênero da tia solteirona – ter ganho um dia só seu não deve ser uma honra, um fato a ser comemorado, pelas luzes que, apesar do dia passar praticamente em branco, são jogadas sobre seu estado – eu esteja despertando, pela lembrança desnecessária, a desconfiança de que, perdendo tempo com isto, legisle em causa própria.
CHICO VIVAS
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